Se a Mons foi a prova que marca o meu renascimento, Cambotas é a prova que renova, com toda a potência da aurora, o meu encantamento por este esporte.
Em termos de performance (desde a Mons) ganhei altura até o início de Novembro na UT Rota das Águas, e de lá para Cambotas me segurei como pude, mas não consegui elevar-me mais, nem mesmo manter-me no patamar onde estava.
Viajei para Barão de Cocais muito aquém do que esperava, mas não se enganem, isto não significa que estava tão mal assim, as metas é que a partir deste ano estão bem mais elevadas! Os parâmetros é que agora são outros.
Imaginava que um TOP 20 em Cambotas já seria um bom resultado. Um TOP 10 seria fantástico! Mas houve um momento durante a preparação para esta prova em que me senti tão confiante, tão poderoso, tão capaz, que cheguei a pensar de verdade que havia a possibilidade de vencer.
No entanto, às vésperas da prova o sentimento era bem outro. A confiança havia desaparecido, e tive medo. Tanto, que cogitei até mesmo não viajar.
No fim, acabei decidindo ir de qualquer forma, não poderia perder esta oportunidade por nada. E, como "não há nada escrito", o treinamento estava concluído, e eu ainda tinha uns bons dias de descanso pela frente, viajei.
Chegamos na quinta, descansei muito! Na sexta já estava um pouco mais confiante, e na manhã da prova acordei bem disposto. Parecia que tudo havia ido para o seu devido lugar, estava leve, sentindo as pernas "soltas". Era a sensação que faltava para largar com a cabeça tranquila.
Ao chegar na arena da prova não havia mais nenhuma tensão, estava totalmente concentrado, procurando reforçar a mim mesmo, mentalmente, para que não errasse o ritmo: "não erre o ritmo, não erre o ritmo, não se empolgue...", repetia sem parar.
Com o startlist mais pesado da história do Trail Nacional, este seria fatalmente o erro mais fácil de se cometer, não há a menor dúvida.
No curral de largada, para evitar qualquer empolgação, posicionei-me bem mais atrás, algo que não costumo fazer.
Contagem regressiva: 10, 9, 8..., e a cavalaria disparou! como já era de se esperar. Passei o km 2 por volta da 50a posição aproximadamente, atrás de pelo menos umas dez mulheres. Nunca antes numa prova trail tive tanta gente à minha frente!
Mas estava tranquilo, apenas concentrado em encaixar um ritmo confortável. No km 4, finalizando a parte de estradão, encontrei a Lili e minha irmã: "37°, Dani! 37°!", ouço a Lili gritar.
Na primeira descida em trilha, mesmo cauteloso e com medo de que pudesse acontecer o mesmo que me aconteceu no Desafio Raiz Tapera três semanas antes (onde tive um colapso em ambos os vastos laterais das coxas com contrações lancinantes que me obrigaram a abandonar a prova), senti uma leve fisgada no vasto lateral da coxa esquerda, uma dor sutil, mas bastou para me pôr em alerta.
Os primeiros segmentos de trilha já eram bem técnicos! Eu estava louco pra descer com tudo, mas tive de me conter bastante e, mesmo me segurando, as fisgadas só pioravam. Neste momento já sentia dores em todo o quadríceps esquerdo. A sensação era de que a qualquer momento em alguma descida, numa passada de maior impacto, a coxa travaria por completo ou algum músculo se romperia. Nada comparável ao que senti na Raiz Tapera, apenas o mesmo princípio e somente em uma das coxas.
Apesar de tudo pude continuar - em bom ritmo, até! - mas não havia outro modo, nas descidas tinha de ir muito mais defensivo do que costumo descer.
Fiquei bem preocupado, sim, mas não perdi a calma e simplesmente aceitei que teria de lidar com o problema da melhor forma possível. Para minha surpresa, continuei ultrapassando diversos atletas, até mesmo caras que eu acreditava poderem brigar pelas primeiras posições.
Não me recordo de todos os amigos e conhecidos que ultrapassei mas o primeiro de que me lembro foi o Roger, bem no início da prova ainda (km 6). Em seguida o Vicente (km 7). Poucos minutos após ultrapassá-lo, ainda "brigando" com a coxa esquerda e administrando a prova como podia, cometi um erro imperdoável.
Afundei a perna inteira dentro de um córrego estreito, aparentemente raso, que na verdade se mostrou uma vala profunda onde sequer alcancei o fundo. Caí de mal jeito, todo errado: a perna dentro da vala, o braço direito tendo ficado para fora, torcido.
Ouvi um estalo no ombro e no mesmo instante soltei um grito de dor. O braço inteiro amoleceu. Na hora achei que tivesse quebrado, não conseguia usar o bastão apenas carregá-lo, com o braço pendido junto ao corpo.
Tudo aconteceu muito rápido, fui fazendo algumas tentativas de uso dos bastões novamente e o ombro foi melhorando, até me permitir utilizá-los quase com eficiência máxima, mas era preciso evitar certos movimentos.
Mesmo com todas estas desventuras em série eu continuava bem posicionado e ganhando terreno. Com a coxa e o ombro sob controle segui firme e concentrado em minha caçada. Não sabia exatamente em que posição estava, mas quando ultrapassei o Picinin e mais adiante o Carius, imaginei que já não deveria estar tão distante assim do TOP 10.
A corrida já se aproximava da metade quando ultrapassei o Jovadir, nitidamente em dificuldades, em seguida o Santiago e logo na sequência um outro atleta que eu não conhecia. Abri um gap razoável de quem vinha atrás e à frente não avistava ninguém. Pela primeira vez na prova fiquei sozinho. Percorri uns bons quilômetros até conseguir avistar, ao longe, alguns atletas. Não identifiquei quem eram e só fui alcançá-los próximo aos 15 km finais. Os caras da frente eram o Cleverson e o Celinho. O primeiro por quem passei foi o Cleverson, cambaleando, e alguns quilômetros depois o Celinho (branco feito cera!), sentado numa pedra no início de uma subida.
Eu sabia que vinha fazendo uma prova bem consistente, sem quebras, progressiva. Mas confesso, com toda sinceridade, que em nenhum momento senti estar performando bem, muito pelo contrário, não entendia como podia estar tão bem posicionado se não estava conseguindo ser tão rápido. No entanto, não havia dúvida alguma de que estava, sim, fazendo uma grande prova!
No alucinante e inesquecível downhill pela borda da cachoeira, faltando uns 7 km, ainda ultrapassei mais um atleta, alcançando a 8° colocação. Do alto ainda pude avistar o Caio (7° colocado) entrando na mata, mas já não tinha força suficiente para buscar mais ninguém, apenas sustentar e defender todo o trabalho realizado até ali. A maior "caçada" de minha vida havia chegado ao fim.
Durante os 5 km finais de descida em estradão, quase não conseguia acreditar no que estava para se concretizar… Na maior disputa do trail nacional de todos os tempos, onde muitos dos grandes nomes sucumbiram, eu estava - "há dois passos do Paraíso..." - prestes a cruzar a linha de chegada na 8a colocação.
E cruzei... mesmo sem muita convicção de que o que estava acontecendo não era um sonho… cruzei o Portal Mágico da Cambotas Marathon entre os dez primeiros colocados.
Desde então, estou no céu. Desço só em 2022!
Mas sabem o que permanece em mim, martelando em minha cabeça, além da vontade imensa de retornar à Cocais para correr a Cambotas Marathon ano que vem?
A convicção de que posso correr abaixo do tempo do Chico (2° colocado com 5h14').
Mas e do tempo do Silvestrin? Bom, tudo no seu momento, primeiro o Chico, depois… (rsrs).
Ah, quanto trabalho pela frente! Transformar todas estas palavras vãs, tão fáceis de serem proferidas, toda essa audácia e prepotência, em FATO!
Mãos à obra!
Serei capaz de convertê-la em Obra Prima? Em uma MAGNUM OPUS?
Ah, quanta felicidade, quanto deslumbre e encantamento derivado de coisinhas tão bobas, tão pequenas, tão insignificantes! Isto não vos comove, meus amigos? Pois a mim, sim!
"Corrida de Montanha", "A maior disputa do Trail Nacional", "TOP 10", "Ranking ITRA", "Performance", "Vitória", "Competiçao", "Obra Prima" - Não passam de joguinhos! Tudo isto que hoje me é tão caro, a que me entrego de corpo e alma gastando cada grãozinho de areia de minha ampulheta, não vale mais que aquelas corridinhas despretensiosas que apostávamos quando crianças, brincando na rua com os amiguinhos na frente de casa. Tudo isto é NADA! E todo este nada é TUDO!
Crescemos, senhoras e senhores, nos tornamos adultos, mas continuamos a brincar e a inventar brincadeiras que nos divirtam e inundem de prazer! Continuamos sendo aqueles mesmos pequenos insaciáveis Buscadores de Prazeres de outrora.
E se hoje encaro tudo a que me dedico com tanta "seriedade" - como se fossem as coisas mais importantes do mundo - é porque para mim, meus amigos, para mim - BRINCADEIRA sempre foi, é, e será - coisa muito séria!
O que seria a Vida em si, em sua essência, não fosse tudo que inventamos, tudo que criamos, todos os significados que atribuímos a ela, toda a poesia com a qual lhe pintamos? Não seria a Vida, assim, um Tédio Supremo, uma tela em branco, qualquer coisa sem nexo, sem cheiro, sem sabor... não fossem todas as nossas insignificâncias? Que sentido haveria, não fossem os sentidos que criamos?
Brinquemos, pois!
Brinquemos à exaustão!
Até que chegue a derradeira noite,
Impondo-se.
Baixando as cortinas
De nossas pálpebras esgotadas,
Encerrando, para sempre,
O Espetáculo.
Que as brincadeiras deste Dia breve, Dia imenso... nos proporcione a todos os mais belos sonhos…
Daniel Meyer
time to reign | like a wild horse
Praia da Tainha,
28 de Dezembro